Racismo fora do debate presidencial: ‘Democracia brasileira é festa para poucos’, diz pesquisadora

30/08/2022

        A reportagem é da BBC News Brasil… 
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É necessário ‘racializar’ o debate sobre políticas públicas, defende Bianca Santana

“Um total de zero pessoa negra no debate presidencial. E até agora nenhuma pergunta sobre o racismo.”

A jornalista e escritora Bianca Santana, autora de diversos livros sobre a questão racial no Brasil, foi uma das muitas pessoas negras a destacar neste domingo (28/8) a ausência de pretos e pardos e da temática racial no primeiro debate entre candidatos à Presidência desta campanha eleitoral.

Doutora pela USP (Universidade de São Paulo), com uma tese sobre memória e escrita das mulheres negras, e autora dos livros Arruda e guiné: resistência negra no Brasil contemporâneo (Fósforo, 2022), Continuo preta: a vida de Sueli Carneiro (Companhia das Letras, 2021) e Quando me descobri negra (SESI-SP, 2015), Santana avalia, em entrevista à BBC News Brasil, que as candidaturas não compreenderam ainda que o racismo é o problema central do país.

“Todas as nossas desigualdades se estruturam a partir do racismo. O Lula mencionou a escravidão, a Simone Tebet menciona mulheres negras, mas são menções muito tímidas diante do tamanho do problema a enfrentar nesse país”, afirma Santana, que é parte da Coalizão Negra por Direitos, grupo que reúne entidades do movimento negro de todo o país.

“É como se a democracia brasileira fosse uma festa para poucas e poucos, e todo mundo que está ali, buscando nos representar naquela festa, olhasse apenas para um pedaço da população. Para a metade branca da população brasileira. Isso é um problema.”

Ela observa que todos os dados sociais brasileiros mostram diferenças significativas entre brancos e não brancos. Desemprego, baixa renda, violência, feminicídio são todos exemplos de problemas que afetam mais gravemente pretos e pardos do que a parcela branca da população, ressalta.

      Bianca Santana
Bianca Santana é doutora pela USP, com tese sobre memória e escrita das mulheres negras, e autora de diversos livros sobre a questão racial no Brasil 

Para conferir os principais tópicos da entrevista realizada pela BBC, acesse o link disponibilizado após as duas primeiras perguntas (abaixo).

 

BBC News Brasil – Você foi uma das muitas pessoas negras a chamar atenção para a ausência do tema do racismo no debate presidencial deste domingo [28/8]. Na sua avaliação, por que esse tema não esteve presente na discussão entre os candidatos e qual é o problema disso?

Bianca Santana – Me parece que essas candidaturas não compreenderam ainda que o racismo é o problema central do país. Que todas as nossas desigualdades se estruturam a partir do racismo.

O Lula mencionou a escravidão, a Simone Tebet menciona mulheres negras. Mas são menções muito tímidas diante do tamanho do problema a enfrentar nesse país. O problema do racismo é enorme para ele não ser central num debate em 2022.

A gente não pode esquecer que, depois do assassinato do George Floyd [americano negro morto em 2020 por um policial branco que ajoelhou em seu pescoço], estava todo mundo querendo mostrar que era antirracista, incluindo a própria imprensa. E aí, num debate promovido pela Band, com uma série de outros órgãos de imprensa, quem faz perguntas são apenas jornalistas brancos.

BBC News Brasil – A ausência de jornalistas negros e negras entre os entrevistados é um fator importante na omissão do tema do racismo no debate?

Santana – Me parece que são dois assuntos paralelos. Porque os jornalistas brancos teriam toda a condição de perguntar sobre o racismo. Hoje, no Brasil de 2022, não dá para nenhum jornalista que estivesse naquele lugar dizer que não prestou atenção ainda no racismo.

As pessoas sabem que o racismo existe e mesmo as pessoas brancas, sabendo do tamanho dessa questão do Brasil, e sabendo que somos um país de maioria negra, têm obrigação de colocar esse tema. Então me parece que a responsabilidade desses jornalistas brancos e desses veículos também tem que ser cobrada.

Outro dado é que nenhum jornalista negro fez perguntas. Um jornalista negro ou uma jornalista negra poderia estar lá para qualificar o debate sobre economia, sobre corrupção.

Ninguém ali teve coragem, por exemplo, de perguntar sobre “rachadinha”, sobre cheque que Michelle Bolsonaro recebia de [Fabrício] Queiroz, sobre as relações de Bolsonaro com a milícia. Talvez um jornalista negro pudesse fazer essas perguntas, pudesse ter aprofundado o debate sobre saúde ou qualquer outro tema.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62718701

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