“Em 100 anos saberá”: essa foi a resposta do presidente Jair Bolsonaro (PL), em rede social, a um comentário que perguntava: por que coloca sigilo de cem anos em “todos os assuntos espinhosos/polêmicos do seu mandato” e “existe algo para esconder”.
A interação no Twitter foi em abril. Agora, na disputa pela Presidência, os sigilos de cem anos impostos na gestão Bolsonaro são alvo de críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como ocorreu no primeiro debate que os colocou frente a frente.
Lula disse que “hoje, qualquer coisinha é sigilo de cem anos”, logo depois de perguntar à senadora e candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet, sobre o comportamento do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. Ela afirmou: “sigilo de cem anos para quê? Quem quer esconder por 100 anos, alguma coisa deve algo ao Brasil”.
O atual presidente chamou Lula de “ex-presidiário” e disse: “sigilo de cem anos, uma lei lá do tempo da Dilma, para questões pessoais, meu cartão de vacina, ou quem me visita no Alvorada, nada mais além disso…”
A imposição de sigilo de um século ocorreu em situações que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, como nesses quatro casos:
O cartão de vacinação de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio à pandemia de covid-19 e no contexto de que o presidente questionava eficácia e segurança dos imunizantes;
O governo determinou sigilo de cem anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro;
A Receita Federal impôs sigilo de cem anos no processo que descreve a ação do órgão para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das “rachadinhas”;
O Exército impôs sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo.
Também há caso em que o governo tentou manter a informação secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Palácio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação para prefeitos aliados.
Reportagem do Estadão publicada em maio de 2022 mostrou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, durante o governo Bolsonaro, um a cada quatro pedidos de informação rejeitados tiveram como justificativa o sigilo da informação — a taxa é duas vezes a registrada na gestão da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB), segundo a reportagem.
O que diz a lei sobre ‘sigilo de cem anos’
O sigilo de no máximo cem anos está previsto na lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais — a Lei de Acesso à Informação (LAI). Ela foi sancionada em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff — e foi assinada junto com a lei que criou a Comissão da Verdade.
No artigo 31, a lei prevê que informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem tenham acesso restrito pelo prazo de até cem anos.
Também está lá um trecho que busca conter o uso dessa medida: o texto diz que a restrição de acesso de “informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”.