06/10/2021
São 19 milhões de brasileiros passando fome, uma em cada três crianças anêmicas e um auxílio emergencial médio que só compra 38% da cesta básica.
Primeiro, foi a fila quilométrica em um açougue de Cuiabá, no Mato Grosso, maior Estado produtor e exportador de carne bovina do país, para receber ossos. Depois, cariocas garimpando restos em um caminhão de ossos e pelancas descartadas por supermercados.
E assim, dia após dia, as imagens da fome vão voltando ao noticiário nacional.
Eram 19,1 milhões de brasileiros com fome em 2020, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).
Em relação a 2018 (10,3 milhões), são quase 9 milhões de pessoas a mais nessa condição.
O auxílio emergencial que, no ano passado, em seu valor máximo (R$ 1.200), chegou a comprar duas cestas básicas e sobrar, agora, mesmo em seu maior valor (R$ 375) não compra nem 60% da cesta da região metropolitana de São Paulo.
Em meio a essa realidade, as crianças são as mais afetadas, já que são os lares com pequenos os mais propensos a estarem na pobreza e na extrema pobreza.
Mesmo antes da pandemia, uma em cada três crianças brasileiras sofria de anemia por falta de ferro, segundo estudo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Confira esses e outros dados que mostram como a fome voltou a ser um drama cotidiano no Brasil.
A pandemia do coronavírus teve um efeito devastador sobre a segurança alimentar no Brasil, revelaram estudos da Rede Penssan e da Universidade Livre de Berlin publicados este ano.
No país, a fome atingiu 19,1 milhões de pessoas em 2020, parte de um contingente de 116,8 milhões de brasileiros que convivam com algum grau de insegurança alimentar — número que corresponde a 55,2% dos domicílios, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Penssan.
Getty imagens
A insegurança alimentar abrange desde a alimentação de má qualidade, passando pela instabilidade no acesso a alimentos, até a fome propriamente dita.
O aumento no número de brasileiros passando fome, de 10,3 milhões em 2018, para 19,1 milhões em 2020, representa um crescimento de 85% em dois anos.
O resultado fez a Oxfam — organização internacional que atua no combate à pobreza, desigualdade e injustiça social — classificar o Brasil como um dos focos emergentes de fome no mundo, ao lado da Índia e da África do Sul.
De acordo com estudo do grupo de pesquisas Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy (Comida por Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares em uma Bioeconomia, em tradução livre), da Universidade Livre de Berlim, a insegurança alimentar é marcadamente desigual.
Os mais altos percentuais de insegurança alimentar são registrados em famílias com apenas um responsável pela geração de renda (66,3%).
Isso se acentua ainda mais quando essa responsável é uma mulher (73,8%) ou uma pessoa parda (67,8%) ou preta (66,8%).
Também é maior nas residências com crianças de até 4 anos (70,6%), nas regiões Nordeste (73,1%) e Norte (67,7%) e nas áreas rurais (75,2%).
De cada três crianças brasileiras, uma apresenta um quadro chamado anemia ferropriva, revelou um estudo da UFSCar publicado em julho deste ano.
A anemia ferropriva é marcada pela falta de ferro no organismo. Esse nutriente é encontrado no leite materno, na carne vermelha e em alguns vegetais, como as folhas verde-escuras, o feijão e a soja.
Prevalência de anemia por falta de ferro atingia 33% das crianças brasileiras mesmo antes da pandemia. Na foto, bebê é pesada por voluntárias da Pastoral da Criança
As crianças com deficiência de ferro sofrem alterações no desenvolvimento do cérebro que, mais para frente, se manifestam na forma de dificuldade de aprendizado, sonolência e desânimo. Muitos desses problemas repercutem pela vida toda e são irreversíveis.
Para chegar ao resultado, os especialistas da UFSCar compilaram dados de outros 134 estudos feitos entre 2007 e 2020, que reuniram informações sobre a saúde de 46 mil indivíduos com menos de 7 anos de idade de todas as regiões do Brasil.
Os dados, no entanto, só vão até o início de 2020, o que traz um alerta: a situação pode ter se agravado ao longo da pandemia, diante da acentuada queda no consumo de carne vermelha no país, em meio à forte alta de preços.
Em 2021, o consumo de carne bovina no Brasil deverá ser de 26,4 quilos por pessoa, uma queda de quase 14% em relação a 2019, ano anterior à pandemia, e de 4% ante 2020.
Esse é o menor nível registrado para consumo de carne bovina no país em 26 anos, segundo a série histórica da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), com início em 1996.
Para ler a íntegra, acesse o link abaixo.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58797787