Margarida Genevois, a ‘dama dos direitos humanos no Brasil’, completa 100 anos

10/03/2023

Padre Júlio Lancellotti celebra missa na próxima segunda-feira, na igreja dos dominicanos, em Perdizes
Paulo D Souza/RBA

Margarida chega aos 100 “lúcida, ativa e, embora cansada, ansiosa para discutir a conjuntura”

Margarida Bulhões Pedreira Genevois foi a mais velha de três filhos. Os dois irmãos, já falecidos, eram advogados, assim como o pai, criminalista. Ela iria cursar Biblioteconomia (mais “aceitável” para uma moça naquela época) e, mais tarde, Sociologia. Mas foi com sua atuação na área de direitos humanos que Margarida Genevois tornou-se um símbolo de resistência. Nesta sexta-feira (10), ela completa 100 anos.

Neste sábado (11), haverá encontro reservado com alguns amigos. Para marcar a data, o padre Júlio Lancelotti celebrará missa na próxima segunda (13), às 18h, na Igreja São Domingos, em Perdizes, na zona oeste. Margarida receberá um álbum de fotografia das mãos do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, atual presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos – da qual a ativista é presidenta honorária desde a criação da entidade, em 2019. Defensor de presos políticos, ele foi colega de Margarida na Comissão Justiça e Paz, da Arquidiocese de São Paulo.

Ao lado de dom Paulo

Criada por dom Paulo Evaristo Arns em 1972, a Comissão Justiça e Paz teve Dalmo de Abreu Dallari como primeiro presidente – o jurista morreu em abril do ano passado, aos 90 anos. Indicada por outro jurista, Fabio Konder Comparato, Margarida foi a primeira mulher no grupo. Ela não conhecia o cardeal-arcebispo pessoalmente e não tinha ideia das barbaridades cometidas pelo regime. Foi se informando nas primeiras reuniões, nos fundos da casa de dom Paulo, na cozinha, por segurança.

“Então, você via que era precária a coisa, mas eu fiquei horrorizada de saber das torturas, das prisões, das arbitrariedades que nós, como pessoas comuns, não tínhamos ideia, não é? Então, aí, eu me lembro, das primeiras vezes eu ficava chocadíssima. E o pior é que eu contava para o pessoal em volta, familiares e amigos, ninguém acreditava, porque havia… Parecia comum, ninguém sabia direito do que se tratava”, afirmou Margarida em depoimento de 2019 para o Museu da Pessoa.
Arquivo Margarida Genevois/Memorial da Democracia
Com dom Paulo ao centro, nomes que presidiram a Comissão Justiça e Paz: Dalmo Dallari, José Carlos Dias, Margarida Genevois e Marco Antonio Barbosa (foto: Arquivo Margarida Genevois/Memorial da Democracia)

Relatos de tortura e perseguição

Com o tempo, ela se apresentou para receber as pessoas que procuravam a Igreja para denunciar perseguição política e pedir apoio. E ele passou a ir regularmente à Cúria. “No começo, eu ficava até na sala de Dom Paulo, sabe, e sentava lá. E então, recebia as pessoas que procuravam, pedindo socorro. Foi muito emocionante. A gente vê de perto aqueles dramas todos e ninguém em volta tinha ideia, a pessoa não acreditava, familiares, amigos, ninguém acreditava que fosse possível, sabe? A censura e tudo mais… Enfim, a gente vai descobrindo um outro mundo, não é? E doído, foi muito doído; às vezes, a gente chorava junto, sabe por quê? Os dramas eram variados. (…)”

Margarida chega aos 100 “lúcida, ativa e, embora cansada, ansiosa para discutir a conjuntura” na próxima reunião da Comissão Arns, informa em sua coluna no portal UOL o jornalista e escritor Camilo Vannuchi, que em 2021 lançou a biografia Margarida, Coragem e Esperança (Alameda Editorial).

“Se bobear, Margarida chegará à sala na próxima semana como a mais antenada do grupo”, diz Camilo, lembrando que as reuniões são virtuais. Alguns colegas e amigos, como o advogado Belisário dos Santos Júnior e o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, a chamam de “grande dama dos direitos humanos no Brasil”.

Segundo o jornalista, Margarida já pediu que, em vez de possíveis presentes, os amigos podem fazer doação a alguma entidade dedicada ao combate à fome. Citou, por sugestão de Frei Betto, a Hutukara Associação Yanomami. “Quem tem fome tem pressa, aprendeu com Betinho”, escreveu Camilo ao lembrar do sociólogo Herbert de Souza.

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