Essas mudanças provocaram polêmicas em Brasília e ruídos no mercado financeiro, com desvalorização do real e queda no índice Ibovespa. Críticos ao governo dizem que o país não tem condições de aumentar gastos sociais sem que haja um corte de receitas — pois isso poderia gerar inflação e desaceleração econômica no futuro.
A pesquisa realizada pela Rede de Justiça Fiscal em parceria com a Internacional de Serviços Públicos (ISP), uma federação sindical mundial que representa trabalhadores do setor público, sugere que o Brasil poderia aumentar sua arrecadação para viabilizar gastos sociais adotando outras estratégias, como o combate à elisão e evasão fiscal.
Ainda assim, para que isso seja viável, seria necessário mudar a regra do teto de gastos, que atualmente limita o aumento das despesas do governo à inflação do ano anterior. Além disso, o combate aos paraísos fiscais é limitado em âmbito nacional, dependendo de acordos internacionais para ser possível.
Impostos perdidos no mundo
Conforme o relatório “Estado Atual da Justiça Fiscal”, em todo o mundo, foram US$ 483 bilhões (R$ 2,6 trilhões) em impostos perdidos em 2020, sendo US$ 312 bilhões devido à transferência legal ou ilegal de lucros de multinacionais para paraísos fiscais e US$ 171 bilhões não pagos por milionários que escondem ativos e rendimentos não declarados no exterior.
Essa é a segunda edição do levantamento, que se tornou possível graças a um acordo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que obrigou multinacionais com sede em países do grupo e receita acima de 750 milhões de euros (R$ 4,7 bilhões) a publicarem relatórios financeiros detalhados com relação aos países onde operam.
Na edição anterior, referente a 2019, o valor das perdas fiscais foi estimado em US$ 427 bilhões para o mundo e US$ 14,9 bilhões para o Brasil.
Segundo os responsáveis pelo relatório, a redução no valor da perda fiscal brasileira entre 2019 e 2020 — da ordem de 45% — pode ser explicada pela desaceleração da economia devido à pandemia; perda de valor da moeda brasileira, que reduz o montante reportado em dólares; e possível saída de empresas do universo avaliado, devido à perda de receitas.
‘Dinheiro desperdiçado’
Para Gabriel Casnati, coordenador de projetos internacionais da ISP (Internacional de Serviços Públicos, uma federação sindical mundial que representa trabalhadores do setor público), entidade parceira da Rede de Justiça Fiscal na realização do estudo, os dados revelam o quanto o Brasil abre mão de recursos que poderiam estar sendo destinados para políticas públicas, como programas de transferência de renda para a população mais pobre.
“Estamos num contexto de aumento da desigualdade social e de perda da capacidade do Estado de investir. Isso já vinha de um processo anterior à pandemia, mas com a crise sanitária ficou ainda mais claro”, disse Casnati à BBC News Brasil.