06/09/2024
Reproduzimos, a seguir, reportagem gerada pelo portal de notícias Brasil de Fato.
Maior parte das cidades do estudo estão na Amazônia Legal; área concentra mais de 30 milhões de cabeças de gado – Foto: Ibama
O dossiê Os Gigantes, publicado pelo observatório De Olho nos Ruralistas nesta quinta-feira (5), reúne dados sobre os cem maiores municípios brasileiros em extensão, que somam 37% do território nacional. Essas cidades concentram 38,4% do desmatamento registrado no país de janeiro de 2021 e julho de 2024. O documento foi lançado em evento no Armazém do Campo, em São Paulo (SP), e reuniu organizadores do relatório e especialistas.
Além de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre população e território, a metodologia considerou informações de fontes como Observatório do Clima e do MapBiomas, incluindo emissões de gases de efeito estufa e redução de superfície d’água.
Como exemplo do cenário preocupante revelado pelo cruzamento de dados, Carolina Bataier, repórter do Brasil de Fato e responsável pela parte ambiental do estudo, destaca Corumbá (MS), no Pantanal. O município lidera a perda de superfície d’água nos municípios brasileiros, ou seja, tem a maior quantidade de rios e lagos secando no país.
“Existe uma comunidade onde o principal meio de locomoção das pessoas era, até 2018, barco, e, agora, elas estão usando trator”, conta. “E esse município também está entre os que mais emitem gases de efeito estufa e, não por acaso, tem um dos maiores rebanhos bovinos do país.”
Os cem municípios também estão na rota dos grandes projetos de infraestrutura agro-minero-exportadora, dentro da lógica de expansão conectada com os mercados internacionais. Ainda assim, não são incluídos no debate político nacional, que segue focado em grandes cidades.
Segundo Bruno Bassi, coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas, o relatório propõe pautar o tema ambiental nessas eleições para além dos grandes centros urbanos do país. “Quase todos os municípios estão inseridos na Amazônia legal, com exceção do Mato Grosso do Sul e da Bahia”, diz.
Evento de lançamento do dossiê aconteceu no Armazém do Campo, na região central de São Paulo / Divulgação
“O relatório tem esse objetivo de mostrar que as eleições municipais têm um caráter nacional e global muito importante”, diz Bruno, acrescentando que o projeto tem se conectado aos movimentos populares para que as informações cheguem aos eleitores dos territórios mapeados.
Para Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, o cruzamento de dados é a principal inovação do documento. A urbanista defende que esse fator contribui não apenas para análise da sociedade civil, mas também tem o poder de influenciar o planejamento governamental.
“Quando você reúne, faz essa análise agregada, você começa a poder modular as políticas públicas também com esse olhar agregado”, diz.
O dado que mais surpreendeu a especialista é que os gigantes possuem oito dos 10 maiores rebanhos bovinos do país, reunindo 4 milhões de pessoas e 30 milhões de cabeças de gado.
“É povoado pelo boi. É uma população tão pequena, um território tão grande, com política tradicional e que a população principal é o boi”, resume. “A gente sabe de tudo isso, mas quando vê tudo isso agregado, choca.”
A especialista cita que 48% das nossas emissões no país são fruto de mudança de uso da terra, especialmente o desmatamento para conversão em pasto.
“A política ambiental do governo atual está indo muito bem em controle do desmatamento, mas a parte de essa opção pela expansão da produção de petróleo é bastante equivocada”, aponta.
Além da redução das emissões, Suely defende medidas que ajudam no sequestro de carbono, como recuperação de vegetação nativa, especialmente nos pastos degradados nos municípios mapeados pelo estudo. “É preciso mudar a forma que se faz pecuária no país. Isso é bastante evidente.”
“O mundo já mudou, mas a gente pode reduzir o grau da crise, fazer pelo menos a nossa contribuição nesse sentido”, diz, sobre a crise climática ser sentida pela população na pele, em 2023 e 2024, os anos mais quentes registrados.
Entre as consequências estão a redução hídrica no Pantanal, a seca na Amazônia, ondas de calor, incêndios e enchentes cada vez mais devastadoras. “Talvez esses eventos todos levem os eleitores a pensarem um pouquinho em quem estão votando.”