O doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), dá mais informações para contextualizar o ano de 1922 e como o Brasil chegou ao que é hoje, principalmente na questão da industrialização.
“O país vivia o começo do esgotamento da República Velha, que tinha a hegemonia das oligarquias agrárias regionais e com mais de 80% de sua população vivendo no meio rural”, explica. “Havia pelo menos duas grandes contradições na estrutura econômico-social do país.”
A primeira, diz ele, era o padrão de desenvolvimento agroexportador, voltado para o mercado externo, o que tornava secundária a expansão do interno.
Com baixíssima produtividade, a redução de custos de produção para a obtenção de preços competitivos para o café e outros produtos aconteceu com pesado arrocho salarial e a quase inexistência de direitos trabalhistas.
“No entanto, havia, ao mesmo tempo, um diminuto e florescente setor industrial, em especial no sudeste, nascido a partir dos lucros de latifundiários que decidiram diversificar seus investimentos”, conta Maringoni.
Essa indústria, voltada para o mercado interno, tinha dificuldades para se expandir justamente pelo baixo poder aquisitivo da população, resultante do modelo agroexportador, prossegue o professor da UFABC.
“Ao mesmo tempo, as grandes cidades, em especial São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, com alta concentração de trabalhadores pobres, desempregados e ex-escravos, em sua maioria analfabetos e famintos, eram cada vez mais caldeirões sociais em ebulição, prestes a explodir”, diz.
Com isso, havia uma latência de revoltas sociais, que não raro aconteciam de fato.
“Há evidentes diferenças com o Brasil de hoje, mas a desindustrialização acelerada, o fim de vários direitos trabalhistas consagrados na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e a preponderância do agronegócio são pontos de contato com aquele Brasil atrasado”, explica Maringoni.
Voltando à época do centenário, o pedagogo e historiador da Educação, Luciano Faria Filho, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que no fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o Brasil era, assim como hoje, um país em busca de si mesmo.
“Era um país que se perguntava o que era, quem éramos nós e o que poderíamos vir a ser”, explica.
“Do ponto de vista político, a grande questão era como se tornar realmente uma república, um país republicano, no sentido de que as práticas de respeito à coisa pública pudessem de fato se estabelecer.”
Segundo Faria Filho, essas preocupações eram basicamente de grupos mais liberais, além dos anarquistas e socialistas. Era um contexto que levou à criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por exemplo.
“Em contraposição, havia as forças da ordem, que queriam manter aquela relação patrimonialista, autoritária, de benefícios, digamos assim, de usufruto pelo mundo privado das benesses públicas”, explica.
“O momento do centenário foi de síntese dessas grandes questões.”