A equipe econômica baseia-se no princípio de que juros maiores encarecem o crédito e desestimulam o consumo, reduzindo uma suposta pressão da demanda sobre a oferta.
Além de não resolver o problema da alta de preços, economistas ouvidos pelo Brasil de Fato chamam atenção para quem mais ganha com essa política: operadores do mercado financeiro, detentores de títulos da dívida pública.
“Elevar juros significa elevar também a despesa pública, para aumentar a rentabilidade de ativos financeiros e alimentar o capital de curto prazo”, alerta Uallace Moreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Nosso gasto, só com juros da dívida, gira em torno de 5%. Um ponto percentual em cima desse valor dá quase R$ 50 bilhões a mais por ano para pagamento de juros, para o mercado financeiro.”
Segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), um ponto percentual significa, precisamente, R$ 53 bilhões a mais. Ou seja, só com o reajuste da última quarta-feira, o Brasil terá que repassar R$ 75 bilhões a mais por ano a detentores de títulos da dívida pública.
“Em termos de transferência dos recursos do Estado, aquilo que o governo quer oferecer aos mais pobres é menor que o pagamento de juros aos mais ricos”, analisa.
Para o pesquisador, essa medida tende a ampliar a diferença entre ricos e pobres.
“Estamos falando das duas pontas: as pessoas com mais recursos, que fazem investimentos no Tesouro, e as que são alvo de programas de redução da miséria”, acrescenta.
“Sem contar o impacto na atividade econômica. Vamos ter um movimento fiscal de incentivo, e um movimento de política monetária contracionista. É parecido com o que a gente viveu entre 2015 e 2016, e o saldo dessas políticas terá impacto relevante sobre a desigualdade.”
“Teto” para quem?
Operadores do mercado financeiro apoiaram, em 2016, a implementação de um “Teto de Gastos” no Brasil, por meio da Emenda Constitucional 95.
O texto, sancionado pelo então presidente Michel Temer (MDB), congelou os investimentos em políticas públicas como saúde e educação por 20 anos.
Uallace Moreira enfatiza que esse mesmo “mercado” fez pressão pelo aumento da Selic e será beneficiado com repasses bilionários por fora do Teto.
“É a contradição pura. Eles estão argumentando que precisa manter o ajuste fiscal, mas ao mesmo tempo elevam juros, aumentando os gastos públicos. Ficam muito em evidência os interesses de classe na coordenação da política econômica”, diz.
As conversas mostram que o banqueiro era consultado pelo BC, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e até pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a condução da política econômica.
“O Teto de Gastos não congela pagamento com serviços da dívida. Então, você pode fazer a festa no orçamento, pegando dinheiro público e transferindo ao setor financeiro. Enquanto isso, o governo mantém o argumento de cortar gastos da saúde, da educação, e 92% do orçamento da ciência”, critica Moreira.
“O Teto de Gastos congela tanto os gastos correntes, com saúde e educação, como os investimentos. Então, nosso investimento está em um dos menores patamares da história, e ninguém [do ‘mercado’] reclama disso: mas reclamam quando tem um auxílio para tentar tirar as pessoas da fome.”
Para o professor da UFBA, a precarização do serviço público, resultado de ajustes fiscais, justifica e alimenta uma lógica privatista – que também interessa ao mercado financeiro.
“Há um casamento perfeito dessas políticas – aumento de juros e Teto de Gastos – em torno de um objetivo, que é atender ao interesse de uma minoria, que está lucrando, como os bancos”, afirma.
Ao mesmo tempo, Uallace Moreira avalia que essas escolhas terão consequências graves – mesmo para os ricos – em médio prazo. Afinal, se os trabalhadores perdem poder de compra e consomem menos, toda a economia é prejudicada.
“Nós precisamos do mercado interno, que é 64% do nosso PIB [Produto Interno Bruto]. A indústria de bens de consumo duráveis – geladeira, fogão, automóveis – precisa do mercado interno”, afirma.
“Por enquanto, com privatizações e política de juros, eles estão recompondo seus lucros e compensando a crise do mercado interno. Mas, em algum momento, isso não vai ser sustentável, porque não vai ter mais nada para privatizar. Então, é uma política suicida”, finaliza o economista. (Edição de Vinícius Segalla)