13/04/2023
A reportagem é da BBC Brasil…
Na contramão – Brasil se especializa em itens primários, num mundo que demanda cada vez mais produtos tecnológicos
O Brasil caminha na contramão do mundo. O país está se tornando mais primário – isto é, mais dependente da agropecuária e da mineração – e menos tecnológico.
Isso já vinha acontecendo nas nossas exportações desde meados da década de 2000.
Mas dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que a “reprimarização” – como os economistas chamam essa espécie de “volta ao passado” em termos de desenvolvimento econômico – já abrange toda a estrutura produtiva do país.
Em 1995 – ano seguinte à criação do Plano Real, que deu fim à hiperinflação –, a indústria de transformação representava 16,8% do PIB brasileiro, mais de 10 pontos percentuais a mais do que o peso da soma do agro e da mineração (6,5%) na nossa economia.
Essa distância veio diminuindo ao longo dos anos, em meio à desindustrialização e à demanda crescente da China por bens primários.
Finalmente em 2021, com as commodities em alta em meio à pandemia e à guerra da Ucrânia, a soma de agro e mineração superou a manufatura no PIB brasileiro pela primeira vez em décadas.
A tendência se manteve em 2022 e, segundo o economista Paulo Morceiro, pesquisador na Universidade de Joanesburgo (África do Sul), representa um retrocesso para o país.
Entenda em cinco gráficos como agro e mineração já superam a manufatura no Brasil e por que Morceiro afirma que “a indústria brasileira virou pó”.
Os países mais pobres costumam ter sua pauta de produção e exportação concentrada em produtos agrícolas e minerais, os chamados produtos primários, explica Morceiro.
À medida que os países se urbanizam e suas economias avançam, cresce a parcela dos produtos industriais tanto na composição do PIB, como nas exportações.
Os países mais bem sucedidos nesse processo têm parcela significativa de sua participação no comércio internacional em produtos industriais de alta e média-alta tecnologia – esse é o caso dos principais países ricos do mundo, como Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Japão e mais recentemente, Coreia do Sul e China.
“A reprimarização é um retrocesso do ponto de vista do desenvolvimento econômico”, defende o economista.
Morceiro lembra que o Brasil vem sofrendo com a desindustrialização desde os anos 1980, o que segundo ele é fruto do abandono do planejamento econômico de longo prazo, da redução de investimentos públicos e da perda de protagonismo da indústria como centro da política de desenvolvimento.
“Deixamos de priorizar a indústria, essa é a grande verdade”, afirma.
A esse cenário, a partir do ano 2000, se soma a demanda da China por produtos como minério de ferro, petróleo, carne e soja, em meio ao forte crescimento do país asiático.
Mas o que explica a virada a partir de 2021, quando agro e mineração finalmente ultrapassam a manufatura em termos de peso no PIB do Brasil?
Uma combinação de alta de preço das commodities, mas também de aumento do volume de exportação desses produtos, devido a safras recordes, pandemia, guerra da Ucrânia e política de estocagem da China em meio à crise sanitária.
“Não é problema exportar minério de ferro, soja, suco de laranja, todos esse produtos. Mas isso só seria suficiente, se o Brasil tivesse uma população pequena. Como o país tem uma população grande, de 210 milhões de pessoas, é preciso mais”, diz Morceiro.
Um exemplo claro disso está na geração de empregos.
Mesmo com o avanço da importância dos produtos primários na nossas exportações e no PIB, a participação do agro e das indústrias extrativas no emprego no Brasil vem caindo desde os anos 2000: de 21,5% no início do milênio, para 12,9% em 2020.
As indústria extrativas (petróleo e gás, minério de ferro e outras) representam parcela ínfima dessas ocupações – 212 mil em 2020.
Então a maior parte dessa queda é explicada pelo agronegócio, que emprega cada vez menos pessoas, devido a uma combinação de ganhos de produtividade, avanço da mecanização e maior concentração da produção.
Também a baixa remuneração e precariedade do trabalho no campo leva cada vez mais pessoas a deixarem a agricultura em busca de empregos nas cidades.
“A indústria extrativa já quase não gera emprego e a agropecuária vai gerar cada vez menos”, prevê Morceiro.
“Nos Estados Unidos, por exemplo, que é o maior exportador mundial de produtos agrícolas (o Brasil é o segundo), só 1% do emprego está na agricultura. A França tem 3%, Alemanha tem 1%. Então, se tivermos sorte, vamos conseguir reter 5% de empregos na agricultura.”
O economista destaca que o agronegócio foi e ainda é bom para o Brasil: gera um saldo comercial muito grande, permite compensar o déficit da indústria de transformação e gerar superávit para a balança de pagamentos, o que aumenta nossas reservas internacionais.
“Isso foi muito importante, reduziu a vulnerabilidade externa do país, que sempre sofria com crises cambiais. Então nem tudo é ruim e nem tudo é bom. Mas, do ponto de vista de gerar empregos e inovação, não são setores que têm um peso significativo”, pontua o analista.
Ele observa que agro e extrativa também têm impacto mais localizado sobre o crescimento, impulsionando menos o setor de serviços, por exemplo.
Atualmente, apenas 2% das exportações brasileiras são de alta tecnologia – que inclui setores como informática, eletrônicos, farmacêutica e aeronaves. No ano 2000, eram 12%.
Média-alta tecnologia – que inclui, por exemplo, automóveis, máquinas e equipamentos, químicos e instrumentos médicos – também encolheu: de 24% das exportações em 2000, para 13% no dado mais recente disponível.
Por outro lado, agropecuária e extrativa aumentaram o peso na pauta de exportações: de 15% para 49%.
“O Brasil nunca foi um gigante na alta e média-alta tecnologia, mas tínhamos alguma relevância no passado”, observa Morceiro.
“É um país que está entre os dez mais populosos do mundo, entre os dez maiores PIBs do mundo, mas no comércio tecnológico é nanico – já era nanico e ficou menor ainda.”
Ao se especializar em produtos primários, o Brasil vai na contramão das tendências do comércio internacional, destaca o pesquisador.
Enquanto no mundo 21% das exportações são de produtos de alta tecnologia e 31% de média-alta, no Brasil essas fatias eram de 2% e 13% em 2021.
Enquanto isso, a agropecuária representa 20% das exportações do Brasil, mas só 3% do comércio internacional global.
Na indústria extrativa, essas fatias são de 29% (Brasil) e 7% (mundo).
“O comércio mundial é estável e dominado por alta e média-alta tecnologia, que representam entre 50% e 55% do comércio global. São setores em que o Brasil não está”, diz Morceiro.
“Quem defende a indústria não defende por ter um fetiche pela indústria, mas por que 86% do comércio mundial é indústria de transformação e mais da metade é indústria tecnológica.”
O economista acrescenta que, nos países com nível de renda mais avançada – EUA, Coreia, Japão, por exemplo – dois terços da pauta de exportação é composta por produtos da indústria de alta e média-alta tecnologia.
“Não existe caso de país grande e populoso que conseguiu sair da renda média sem uma parcela expressiva no comércio mundial em produtos de transformação. O que permitiu que esses países saltassem da renda média foi aumentar expressivamente sua participação no comércio internacional em produtos industriais.”
A parcela do Brasil nas exportações mundiais da agropecuária passou de 2,9% em 2020 para 8,7% em 2021.
Na indústria extrativa, o salto foi de mais de cinco vezes, de 0,8% para 4,6%.
Um avanço impressionante, certo? Mas tudo toma outra perspectiva quando levamos em conta o tamanho desses mercados no mundo.
Por exemplo, como o agronegócio representa só 3% do comércio mundial, a fatia de 8,7% do Brasil nesse mercado é equivalente a 0,26% de todo o comércio global.
“Se a gente mais do que dobrar nossa participação nas exportações agrícolas, e chegar a 20% de participação nesse mercado, ainda teremos somente 0,6% de todo o comércio global”, exemplifica Morceiro.
Enquanto isso, se o Brasil aumentar em apenas 1 ponto percentual sua participação nas exportações mundiais da indústria de transformação, do atual 0,8% para 1,8%, isso representaria 1,5% de todo o comércio mundial.
“É muito melhor a gente ter 2%, 3% do comércio mundial de produtos industriais, porque este é um mercado muito grande, do que ter 10%, 15% do mercado de produtos agrícolas”, observa Morceiro.
“Se a gente tivesse metade do comércio mundial de produtos agrícolas – o que não vai acontecer – teríamos 1,5% do comércio mundial. Conseguimos ter esse mesmo efeito aumentando em apenas 1 ponto nossa participação em produtos industriais.”
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxr0vlvqdgqo