“No Brasil colônia a ausência de curso de direito demonstrara uma estratégia de garantia e dominação política e jurídica no território brasileiro, pois durante essa carência jurídica, a justiça era mantida pela ordenações de Portugal no modelo de base legal única e uniformizado. Os magistrados brasileiros eram originários da Faculdade de Coimbra”, contextualiza a advogada e cientista política Elian Pereira de Araujo, professora na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.
“Após a independência do Brasil, tornou-se evidente e necessária a criação de Escola de Direito. Os acontecimentos políticos diante das dificuldades da população em lidar com o novo momento de independência, isto é, buscar uma identidade política própria e autonomia social e intelectual, passaram a hostilizar os estudantes de direito que foram buscar formação na Universidade de Coimbra”, complementa ela.
Para a advogada Patricia Peck, formada e pós-graduada no Largo de São Francisco e atualmente professora na Escola Superior de Propaganda e Marketing, a criação dos cursos jurídicos “estava ligada ao processo de consolidação da Independência nacional”, pois havia a necessidade “de um aparato legislativo próprio, diferente da legislação portuguesa e influenciado pelas ideias liberais da época”.
“E foi importante também porque o estudante precisava aprender sobre direito na perspectiva brasileira, adequado ao panorama brasileiro, pois nos cursos jurídicos europeus se aprendia sobre a legislação portuguesa, francesa, inglesa e esse conhecimento ficava, de certa forma, distante. Aquele estudante que se formava fora do país voltava com um conhecimento que não era aplicável ao nosso território”, comenta Peck. “Então, os estudos das leis do Brasil e para o Brasil seriam a base jurídico-legal do Brasil independente.”
A ideia não era exatamente uma novidade. Conforme detalha o pesquisador Rezzutti, há registros em cartas arquivadas na Torre do Tombo, em Portugal, de que Dom João VI pretendia instalar uma universidade em terras brasileiras já em 1809.
O projeto não foi adiante, mas acabou retomado por Dom Pedro quando ainda era príncipe-regente, antes da Independência.
“Em 1821, José Bonifácio, então vice-presidente da Província de São Paulo, escreve apontamentos para que os deputados paulistas criem um curso jurídico em São Paulo”, afirma Rezzutti, citando o fato de que esse grupo de deputados foi debater com Portugal por conta da criação da Constituinte.
Um desses deputados era o escritor e magistrado José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774-1847), que anos depois se tornaria o Visconde de São Leopoldo. “Mais tarde, já como ministro da Justiça, ele propôs a lei para Dom Pedro, que acabaria assinando”, relata Rezzutti, em 11 de agosto de 1827.
Crítica ao português falado em SP
Mas o processo não foi simples. Principalmente pela tarefa de convencer a elite política da época que as faculdades seriam instaladas em locais então tão periféricos como São Paulo e Olinda — e não no Rio de Janeiro, sede da corte, ou em Salvador, por exemplo.
Rezzutti explica que a escolha se deu “no contexto do regime marítimo da época”, sendo que as duas localidades funcionariam como polos regionais relativamente acessíveis para boa parte dos habitantes do império.
“Existia um modelo de atendimento regional e também a ideia de desenvolver as regiões”, aponta ele. “São Paulo era considerada uma vila de caipiras, tanto que atas da Câmara e do Senado registraram discussões, com pessoas do Rio criticando o modo de falar do paulista, algo na linha ‘nós vamos mandar nossos jovens para estudar em São Paulo e eles vão voltar sem nem saber mais o português’.”
Isto porque enquanto na corte se falava um português mais parecido com o de Lisboa — e sob uma influência do francês —, em São Paulo havia uma mistura com idiomas indígenas. “Era um falar muito diferente”, comenta o pesquisador. “Então, havia preconceito.”
Em um dos textos da Câmara do Rio, diz-se que “sempre, em todas as nações, se falou melhor o idioma nacional nas cortes”. “Nas províncias há dialetos, com os seus particulares defeitos. É reconhecido que o dialeto de São Paulo é o mais notável. A mocidade do Brasil, fazendo ali os seus estudos, contrairia pronúncia muito desagradável”, afirma o documento.
A favor de São Paulo contudo, ganharam os argumentos da proximidade ao porto de Santos, do clima ameno e do custo de vida barato para a época. Além, é claro, da facilidade de acesso aos moradores “das províncias do sul e do interior de Minas”.
Araujo acrescenta que pesava a favor de São Paulo o fato de que a cidade já se configurava como “um espaço privilegiado da oligarquia agrária e aristocratas do café”