Jovens e anciãos passeavam, conversavam, tomavam chá e se queixavam de como os baixos preços do olíbano dificultaram a sobrevivência, especialmente nestes tempos de inflação alta e forte seca.
Levei um tempo para perceber o que havia de tão estranho no acampamento dos garimpeiros. Foi quando percebi que ali não havia mulheres, nem crianças.
A cordilheira de Golis, na fronteira entre os territórios disputados pela Somalilândia e Puntlândia, é fonte de riquezas há séculos
“Realmente não sabemos o que aconteceu com as nossas famílias”, afirma Salah, o ancião que encontrei sentado sob a árvore. “Nós costumávamos ser nômades, mas perdemos várias estações chuvosas a fio e as secas nos fizeram abandonar nosso modo de vida tradicional.”
Salah explicou como eles chegaram às montanhas em 2017, em busca de ouro.
“Não havia nada aqui quando chegamos. Era só um leito de rio seco. Este foi o primeiro lugar onde o ouro foi encontrado. Aqui, nós construímos uma espécie de aldeia”, ele conta, apontando para os barracos feitos com gravetos.
Perguntei a Salah e às dezenas de outros homens sentados com ele se eles preferiam a vida de minerador à de nômade. Eles balançaram a cabeça negativamente e começaram a gritar com raiva.
“Quando éramos nômades, nós tínhamos dignidade”, afirma ele. “Não dependíamos de ninguém. Nós vivíamos com nossas famílias, nossos camelos, cabras e carneiros. Nada nos faltava.”
“Os camelos carregavam nossos abrigos e panelas. Os animais nos forneciam comida e leite. Nós não podemos comer nem beber o ouro que encontramos. Ele não consegue carregar nossos abrigos e pertences”, afirma Salah.
A região em volta das minas de ouro quase não tem vegetação. Ela é disputada por negociantes de khat e coletores de impostos jihadistas
Os garimpeiros explicam como eles vendem o minério para os contrabandistas que o levam de navio para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A mineração não está destruindo só o meio ambiente. Ela está arruinando a vida deles.
“Nós viramos dependentes de drogas”, afirma Arale, o homem com a camisa vermelha do Manchester United.
“Somos reféns dos negociantes de khat”, uma folha narcótica mastigada por muitas pessoas na Somália. “Eles controlam nossas vidas. Gastamos todo o dinheiro com khat e não com nossas famílias, que estão perdidas para nós.”
Enquanto eles falam, uma caminhonete entra na aldeia. Dois homens bem vestidos saem do veículo e os garimpeiros dizem que são vendedores de khat.
“O ouro também arruinou nossas vidas de outras formas”, afirma Salah. “Ele deixou alguns de nós loucos, como o nosso amigo que encontrou US$ 50 mil [cerca de R$ 267 mil] em ouro e perdeu o juízo.”
Dirie, da organização Candlelight, explica como o ouro está destruindo a comunidade local.
“Houve escolas que fecharam porque todos os professores saíram para a corrida do ouro. Os alunos também estão saindo”, ele conta.
Dirie afirma que somalis de outras regiões estão chegando às montanhas, causando lutas mortais entre os clãs.
“Muitos dos garimpeiros estão armados”, afirma ele. “Precisamos sair agora. Não é seguro ficar muito tempo por aqui.”
Os garimpeiros afirmam que o grupo islâmico Al-Shabab e a facção do Estado Islâmico na Somália começaram a cobrar impostos dos garimpeiros.
Enquanto saímos de carro das montanhas pela longa e empoeirada estrada de volta, fico imaginando se as pessoas que compram perfumes, cosméticos e joias caras têm alguma ideia de onde vêm as substâncias usadas para sua produção, do número de mãos pelas quais elas passam e quanta destruição elas causam.