29/02/2024
A reportagem, a seguir, foi extraída do portal da BBC Brasil.
Figura-chave no movimento abolicionista brasileiro, Luiz Gama, homenageado pela Escola de Samba Portela no Carnaval de 2024, também se destacava por seus talentos literários e jornalísticos, diz Ligia Fonseca Ferreira
Foi em 1995 que a pesquisadora Ligia Fonseca Ferreira começou a estudar a vida e a obra de uma figura singular da história brasileira: o abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882), homenageado pela escola de samba Portela no Carnaval de 2024. Ela se debruçou sobre o personagem para sua tese de doutorado, concluída no ano 2000 na Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris III. E descobriu um personagem muito mais dinâmico do que as poucas linhas que a historiografia consagrada lhe reservou.
Se nos últimos anos, o abolicionista vem sendo reconhecido como verdadeiro advogado — autodidata, soube utilizar as leis vigentes para conseguir, pela Justiça, alforriar centenas de escravos, inclusive estando à frente da maior ação coletiva de libertação de escravizados conhecida nas Américas — e figura-chave no movimento abolicionista brasileiro — , como foi retratado no filme Doutor Gama, baseado na vida do abolicionista e lançado em agosto deste ano —, Ferreira foi além.
Professora de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela atentou para os talentos literários e jornalísticos de Luiz Gama.
Apenas 12 anos depois de ter aprendido a ler, Gama publicou, em 1859, seu único livro, Primeiras Trovas Burlescas. Foi assíduo colaborador de jornais da época, tendo escrito centenas de artigos para publicações tanto de São Paulo, onde morava, quanto do Rio, a capital federal de então.
Nascido em Salvador, Gama era filho de uma escrava liberta com um descendente de portugueses. Quando ele tinha 10 anos, seu próprio pai o vendeu como escravo. Então ele foi mandado para São Paulo. Conseguiu a alforria aos 17 anos, ainda analfabeto. Sem nunca ter tido aulas formais mas, provavelmente, frequentando a biblioteca da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, tornou-se um estudioso das letras.
“Para a grandiosidade de Luiz Gama, o negro, o libertador de escravos, o uso da palavra é uma coisa que nem era inesperada. Ele se colocou nesse lugar da produção, na literatura e no jornalismo, depois na advocacia. São áreas que, sem o domínio da palavra escrita, ele não podia nem ser nem se definir”, afirma a pesquisadora.
Depois de organizar a edição crítica da obra poética integral do autor — publicada pela editora Martins Fontes, no ano 2000 — e de publicar a antologia Com a Palavra, Luiz Gama: Poemas, Artigos, Cartas, Máximas — pela Imprensa Oficial, em 2011 —, Ferreira está lançando Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, 1864-1880, pela Edições do Sesc. A obra, que traz 61 artigos escritos pelo abolicionista, é fruto de um trabalho de pesquisa e seleção de três anos.
Para ela, reconhecer o Gama escritor é fundamental para que sua biografia não seja reduzida a “um relato chapado, a umas poucas linhas na história do abolicionismo”. “Ele é dono de uma escrita bastante complexa, poderosa, literária. Naquele momento, a imagem precisava ser construída com a palavra e ele era o homem da imagem. Escrevia assumindo o foco narrativo, como se tivesse uma câmera”, afirma.
Um dos trechos que ele usa para destacar o estilo está no texto “Emancipação”, publicado pela Gazeta do Povo em 1º de dezembro de 1880. “Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam ; que esta cor convencional da escravidão, (…) à semelhança da terra, (a)través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade. Vim (lembrar ao) ofensor do cidadão José do Patrocínio por que nós, os abolicionistas, animados de uma só crença, dirigidos por uma só ideia, formamos uma só família, visando um sacrifício único, cumprimos um só dever.”
Você pode visitar o site da BBC, por meio do link abaixo, para conferir a entrevista concedida pela pesquisadora Ligia Fonseca Ferreira. Você também terá acesso a outros textos sobre a vida de Luiz Gama e sobre o movimento abolicionista brasileiro.