10/06/2025
Reproduzimos, a seguir, reportagem extraída do portal da BBC News Brasil.
O jornalista potiguar Octávio Santiago aguardava um trem de Porto para Braga, em Portugal, quando um encontro inusitado mudou seus rumos acadêmicos.
Uma brasileira não estava conseguindo comprar o bilhete na máquina de atendimento automático, e ele ofereceu ajuda.
Em vez de agradecer, ela demonstrou espanto: “Nossa, você não é daqui e conseguiu”.
Santiago disse então também ser brasileiro e, mais especificamente, de Natal.
Ela ficou novamente surpresa e respondeu: “Você não tem cara de nordestino, não parece nordestino. E conseguiu, está mexendo tão bem nessa máquina.”
“Eu contrariava o padrão da ideia que ela tinha na cabeça, de como deveria ser fisicamente um nordestino e como deveria ser a conduta coerente ao assentado em sua cabeça”, recorda o jornalista.
Desse episódio carregado de preconceito, Santiago surgiu a semente do livro Só Sei Que Foi Assim: A Trama do Preconceito Contra o Povo do Nordeste, que acaba de ser lançado pela editora Autêntica.
O trabalho é fruto de seu doutorado, defendido em dezembro de 2024 na Universidade do Minho.
O título é uma referência a uma frase icônica do Auto da Compadecida, peça de Ariano Suassuna, depois adaptada para o cinema.
Capa do Livro: Só Sei Que Foi Assim / Divulgação: Rierson Marcos
Em seu livro, Santiago mapeia pontos que reforçam a discriminação contra os nordestinos — como o estigma de que eles seriam inferiores ao restante do país, a associação do sotaque a algo cômico e a própria generalização do Nordeste.
“O pessoal vai passar as férias e fala ‘vou para o Nordeste’. Parece que é uma grande praia que começa no sul da Bahia e termina lá no Maranhão”, exemplifica.
Depois de uma temporada morando em Portugal por conta do doutorado, Santiago está de volta a Natal, onde mora.
Foto/Divulgação: Rierson Marcos
‘O termo sudestino serve na verdade só para mostrar ao resto do Brasil como é muito difícil reduzir uma população vasta e plural sob um único guarda-chuva’, defende o jornalista potiguar Octávio Santiago.
Imagem de cena de Aquarius, filme que o entrevistado menciona como exemplo de retrato que não é ‘legitimado’ como sendo do Nordeste
O potiguar é jornalista de carreira da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte desde 2017. Também já trabalhou como chefe de gabinete de deputados estaduais e federais.
Em entrevista à BBC News Brasil, Santiago analisou como diferentes reações a dois filmes recentes do cineasta Kleber Mendonça — Aquarius e Bacurau — revelam estigmas sobre a região.
Além disso, avaliou também como preconceitos contra o Nordeste se manifestaram na eleição presidencial de 2022 e como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usa — ou deixa de usar — sua imagem como nordestino.
Santiago também apontou limitações do termo “sudestino”, que reage ao estigma do nordestino.
“Não faz sentido se for para combater um preconceito devolvendo com algum tipo de preconceito”, avalia o pesquisador.
Para conferir os principais trechos da entrevista concedida pelo jornalista Octávio Santiago à BBC News, acione o link anexo e siga para o portal da BBC.