16/01/2024
Reproduzimos, a seguir, informação extraída do portal Brasil de Fato
População quer manter as peças na região e criar um museu local para os artefatos – © Chayenne Furtado / Museu Goeldi
Peças ancestrais de cerâmica marajoara foram encontradas por comunidades do Pará, após as águas baixarem na região do Alto Rio Anajás por conta da seca. A população acionou o Ministério Público do Estado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Museu Paraense Emílio Goeldi para uma análise do estado dos artefatos arqueológicos e catalogação dos objetos. A ideia é manter os achados na própria região e criar um espaço local para exposição do que foi descoberto.
“Nós fomos procurados por um grupo de gestores do município de Anajás com imagens impactantes, de muitas cerâmicas aflorando na superfície das águas e uma preocupação em relação à integridade desses objetos”, conta a curadora da coleção arqueológica do Museu Goeldi, Helena Lima.
Segundo ela, ao chegar ao local, as equipes do Museu e do Iphan encontraram grandes sítios arqueológicos, os chamados tesos. Aterros dessa natureza são estudados desde o século XIX e indicam a presença de populações com atividades complexas, muito antes da invasão portuguesa e da instituição do que hoje é o Brasil.
“Nós identificamos e cadastramos alguns desses tesos. Fizemos um mapeamento aéreo com uso de drones e sensores para identificar a topografia desses terrenos e uma quantidade muito grande de cerâmicas em fragmentos, urnas funerárias inteiras e se fragmentando com a maré. São achados importantes, vestígios e fragmentos de uma história indígena profunda, extremamente complexa dessa nossa região e que precisa ser contada”, ressalta Helena Lima.
Gravuras do Rio Negro foram ateliês de antigos povos amazônicos
Ela explica que ainda não é possível precisar a idade dos artefatos encontrados e as investigações e pesquisas na região vão continuar. Mas estudos arqueológicos indicam que a história das populações indígenas no local data de cerca de três mil anos atrás. A cultura marajoara teria se desenvolvido entre os anos 400 e 1.400.
Helena Lima afirma que sem o engajamento da população, o trabalho não seria possível. “Todo o trabalho se deve à ação da comunidade, uma preocupação da própria comunidade em manter, guardar e conhecer o que contam as histórias. Sem dúvida nenhuma, a preservação e mesmo a pesquisa e o conhecimento sobre esses vestígios arqueológicos se devem à atuação incisiva dessa comunidade em Anajás.”
A descoberta dos objetos só foi possível por causa da forte seca que atingiu o território amazônico em 2023. Ela tem raízes no fenômeno meteorológico El Niño, mas foi muito impactada pelas mudanças climáticas, fruto do aquecimento global causado pela emissão de gases poluentes. A estiagem mais agressiva já registrada na região durou mais de 4 meses. Nesse período os cursos de água baixaram para níveis nunca registrados.
Apesar de ter possibilitado que as peças ancestrais fossem encontradas, a crise climática também representa um risco para esses objetos. “É verdade que essa seca exagerada nos rios revela sítios antes não conhecidos. Foi o caso de Anajás e de vários outros sítios arqueológicos. Em Manaus, gravuras rupestres apareceram, pela primeira vez em 14 anos, na frente no encontro das águas do Rionegro e Solimões. Mas é um risco para esse patrimônio, na medida que esses rios são altamente navegáveis. A mudança dos cursos e fluxos de água em relação a essas cheias e secas cada vez mais severas vão causando a erosão desses sítios. Com isto afloram os vestígios, mas também sob risco de se perderem com a água e com a maré. Então, eu diria que as pesquisas em Anajás e outras regiões são urgentes.”
Novamente, a solução está no trabalho em conjunto e diálogo com as próprias comunidades locais. “É importante termos em mente que já houve momentos de mudanças climáticas severas na nossa história e as próprias comunidades indígenas desenvolveram tecnologias para lidar com essas mudanças. Possivelmente, os tesos marajoara são uma forma de lidar com as mudanças climáticas. Precisamos ouvir mais o que essas comunidades contam, o que esses povos nos ensinam e o que a arqueologia nos ensina sobre as formas de lidar com essas mudanças, que provavelmente se asseveram no futuro.”