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Dorival Caymmi e a arte da contemplação: ‘Retratista da alma do povo brasileiro’

19/10/2023

Documentário sobre o compositor baiano estreou em festival e chega aos cinemas no primeiro semestre de 2024Reproduzimos, a seguir, reportagem do portal Rede Brasil Atual

Por Vitor Nuzzi, da RBA

Locca Faria

Compositor, cantor, artista plástico: várias faces do artista Caymmi

Nas ondas de Dorival Caymmi é um dos documentários recentemente exibidos na 25ª edição do Festival do Rio de cinema. O evento, que termina neste domingo (15), traz diversas obras com a música brasileira como tema. Casos de Meu nome é Gal e Nada Será Como Antes (sobre o Clube da Esquina). Mas também de Atiraram no Pianista, animação que trata ao mesmo tempo da Bossa Nova e do desaparecimento do pianista Tenório Jr., e de Mussum, o Filmis, sobre o personagem mais conhecido como integrante dos Trapalhões, mas que era exímio ritmista do grupo Originais do Samba.

Diretor do documentário sobre Caymmi e autor do roteiro (assinado em parceria com Pablo Ribeiro), Locca Faria conta que quis um filme sem narrador. “As entrevistas foram na intenção de cada um falar com tranquilidade e emoção. Fui juntando as falas para que cada um fosse completando o outro. Aí fui construindo um fio condutor narrativo.”

Influências e estilo

Com 90 minutos de duração, o documentário – que deve estrear nos cinemas no primeiro semestre de 2024 – traz apresentações de Caymmi e interpretações de artistas como Carmen Miranda, Nara Leão, Djavan, Tom Jobim, Elza Soares, Alfredo Del-Penho, BNegão e grupo Casuarina, muitas imagens de arquivo e entrevistas. Dos filhos, claro (Dori, Danilo e Nana), além de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Paulo César Pinheiro e João, do produtor André Midani e dos jornalistas/pesquisadores Jairo Severiano, Nélson Motta e Tárik de Souza.

“Caymmi teve influência da música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor, cantar e tocar o violão de uma maneira única, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade, riqueza melódica com inspiração pelos hábitos, costumes e as tradições do povo baiano”, diz o texto de apresentação do filme.

Memória coletiva

Para Locca Faria, Caymmi foi “um retratista da alma do povo brasileiro”. E também buscava compor obras que ficassem na memória coletiva, mesmo que as pessoas não soubessem o autor. Foram os casos, por exemplo, de Acalanto e Roda Pião. Mas, no caso do diretor de fotografia (e do documentário), a importância do artista transborda para o lado pessoal.

Ele conheceu o patriarca quando tinha 18 para 19 anos. “Era amigo de Danilo, comecei a frequentar a casa”, lembra. Aí entram as circunstâncias da vida: Locca perdeu a mãe aos 11 anos, o pai morava longe. “Com Stella e Caymmi, me envolvi muito. Eles me adotaram.” Companheira de Dorival por quase 70 anos, Stella morreu apenas 11 dias depois dele, em 2008.

Aprendendo a contemplar

O diretor do documentário conta que ela não viajava de avião. Assim, quando chegava o momento de passar alguns meses na Bahia – moravam no Rio de Janeiro –, Dorival e Locca iam na frente, de avião, e Stella viajava depois, de ônibus. Assim, os dois ficavam alguns dias sozinhos em Salvador. E o fotógrafo ganhava um “guia” privilegiado, que lhe mostrava cada canto da capital baiana.

Chico e Dori Caymmi: agradecimento, histórias e memórias (Foto: Divulgação)

Bethânia: reverência ao mestre, cujo nome é falado de pé (Foto: Divulgação)

Mais que isso: a figura paterna de Caymmi também foi decisiva para sua formação profissional. “Ele me ensinava a contemplar. Dizia: para fazer o seu trabalho, tem que saber contemplar, observar os detalhes das coisas.”

Busca da perfeição

O próprio ritmo de criação de Dorival Caymmi é um aprendizado, reunindo paciência e simplicidade. “Fazer o simples é a coisa mais difícil na vida. O tempo que a gente quer que as coisas aconteçam não é o tempo do universo. Essas coisas foram fundamentais na minha vida”, diz Locca, destacando também a “busca da perfeição” de Caymmi na lapidação de suas canções. A letra de João Valentão, por exemplo, levou nove anos para ser concluída.

Além de ressaltar o cancioneiro – O que é que a baiana tem?, Saudade da Bahia, Samba da minha Terra, Doralice (com Antônio Almeida), Maracangalha e Saudade de Itapuã, entre tantas outras –, Locca procurou mostrar um lado menos conhecido de Caymmi, como artista plástico. “Fiz exposição dos desenhos dele”, recorda. Locca também é reconhecido pelos projetos gráficos para várias capas de discos. Incluindo, claro, todos os integrantes da família Caymmi.

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