05/10/2023
Reproduzimos, a seguir, reportagem extraída do portal da BBC News.
Dia após dia, semana após semana, nós temos horários para tudo: comer, trabalhar, fazer exercícios, atividades de lazer, dormir. Tudo isso distribuído em 24 horas, seguindo padrões periódicos que nos foram dados pelos nossos antepassados.
Ele se refere a todos os tipos de alterações (físicas, mentais e comportamentais) que se repetem dia após dia, a cada 24 horas, aproximadamente. Não é difícil perceber sua importância. Todos nós já estivemos em uma festa até tarde da noite ou tivemos dias cheios de tarefas sem tempo para comer ou dormir adequadamente e depois sofremos as consequências.
A verdade é que o estilo de vida ocidental não ajuda a manter os ritmos circadianos.
Desfrutamos de menos horas de luz natural do que os nossos antepassados, uma vez que somos mais sedentários e aumentamos consideravelmente o número de horas em frente às telas.
Somam-se a isso níveis mais altos de estresse, uma vida social que atrapalha nossos horários e uma dieta baseada em produtos cheios de açúcar e ultraprocessados.
Todos estes fatores alteram significativamente nossos ritmos naturais. Mas, quais implicações isso pode trazer?
Esse desequilíbrio está relacionado à falta ou má qualidade do sono, alterações de humor, aumento do estresse, falta de orientação, problemas de memória, cansaço e ansiedade, entre outros males.
E, se continuarem ao longo do tempo, podem ter consequências mais graves.
Mas as alterações no ritmo circadiano não afetam só a gente: nossas bactérias intestinais, que têm biorritmos próprios sincronizados com os nossos, também são afetada. Isso significa que um distúrbio nos relógios internos pode afetar a nossa saúde intestinal? Definitivamente sim.
As perturbações nos ritmos biológicos estão intimamente relacionadas com alterações na digestão e no metabolismo.
Além disso, há um desequilíbrio no metabolismo da glicose e um maior risco de aumento de peso e pressão arterial, bem como uma desregulação dos hormônios que controlam o apetite e que favorecem a preferência por alimentos ricos em açúcares e gorduras saturadas.
Isso pode causar diminuição da sensibilidade à insulina, menor tolerância à glicose e alteração do perfil lipídico do organismo. São alterações que impactam diretamente na saúde intestinal e, portanto, na microbiota.
Não é de estranhar que essa relação aconteça, já que a digestão dos alimentos ocorre durante o dia, horário em que o intestino se mantém ativo e em condições ideais para absorver nutrientes. Quando comemos, acertamos os relógios dos órgãos e tecidos envolvidos na digestão: estômago, pâncreas, fígado, intestino e tecido adiposo.
E o que acontece com a microbiota se comermos tarde?
Almoçar às 16h, por exemplo, provoca uma mudança no relógio, uma interrupção do ritmo normal da função intestinal e uma alteração na composição e funcionalidade das bactérias intestinais.
A microbiota é afetada principalmente pelo tipo de dieta que seguimos diariamente. Mas a alteração dos horários de ingestão (seja por comportamento alimentar, jejum ou aumento da frequência das refeições) também tem impacto. As bactérias intestinais apresentam flutuações próprias dependendo da hora do dia, tanto na composição quanto nas funções.
Evidências científicas mostram que elas têm um ritmo circadiano próprio, e que tentam sincronizá-lo com seu hospedeiro para aproveitá-lo ao máximo.
A maior parte das pesquisas sobre a microbiota e os ritmos circadianos foi feita em animais. Vale destacar estudos focados no jejum intermitente, que revelaram alguns benefícios em camundongos, como aumento da diversidade microbiana, redução da inflamação e produção de compostos benéficos pelas bactérias intestinais.
Em humanos, estudos realizados com mulheres observaram que comer tarde inverte o ritmo da diversidade microbiana oral. Assim, pelo contrário, surge um padrão semelhante ao que ocorre na obesidade ou nos distúrbios inflamatórios intestinais.
No entanto, não devemos esquecer que a microbiota intestinal é como uma assinatura única e pessoal de cada pessoa, e cada um responderá de forma diferente tanto ao jejum intermitente como à mudança dos horários das refeições.
Estas pesquisas evidenciam que a microbiota intestinal é afetada por um descompasso nos ritmos biológicos, que ativam ou desativam genes envolvidos no metabolismo bacteriano dependendo da hora do dia.
Mas essa é uma relação de mão dupla: o metabolismo das bactérias intestinais também é capaz de modular o ritmo circadiano.
Sua influência pode ocorrer de duas maneiras: por meio da produção de metabólitos (veja no próximo parágrafo) a partir dos alimentos que ingerimos, ou respondendo à diferença de horário com alterações na abundância de determinados grupos bacterianos.
Assim, o microbioma intestinal é responsável pela produção de alguns dos compostos químicos (os referidos metabólitos) que vão parar na nossa corrente sanguínea e podem induzir ou promover o sono.
As bactérias sintetizam essas substâncias a partir dos alimentos que comemos e quando os comemos, graças ao seu próprio metabolismo.
Por exemplo, as bactérias Streptococcus e algumas estirpes de Escherichia e Enterococcus contribuem significativamente para a produção de serotonina, ligada ao ciclo sono-vigília. Outro neurotransmissor, o ácido gama-aminobutírico – proveniente da fermentação das fibras alimentares pela microbiota – poderia promover o sono através de uma ação nos mecanismos sensoriais da veia porta do fígado.
Nossa comunidade microbiana também pode responder à alteração do ritmo circadiano ou à sua baixa qualidade, modificando a quantidade de alguns grupos bacterianos.
Em casos extremos, pode-se atingir um estado de disbiose, ou seja, predomínio de bactérias nocivas em relação às benéficas.
Para fornecer mais informações sobre os efeitos da desregulação dos ritmos biológicos, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco e do IMDEA Alimentación, de Madri (Espanha), estão trabalhando juntos para estudar os ritmos de jejum e alimentação na microbiota intestinal, além do efeito que isso pode ter sobre a obesidade e a busca por biomarcadores bacterianos da ingestão alimentar em projetos denominados dietary deal e metainflamação.
*Autores: Amanda Cuevas Serra, pesquisadora de pós-doutorado no IMDEA ALIMENTACIÓN; Alfredo Martínez Hernández, diretor do Programa de Pesquisa em Nutrição de Precisão e Saúde Cardiometabólica e Grupo de Nutrição Cardiometabólica no IMDEA ALIMENTACIÓN; Elisabete do Nascimento, professora associada II do Departamento de Graduação em Nutrição da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e professora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFPE na linha de pesquisa Nutrição Experimental e Metabolismo; e Nathália Caroline de Oliveira Melo, doutoranda em Nutrição pela UFPE na área de nutrição experimental, microbiota intestinal e crononutrição.
*Este artigo foi publicado no site The Conversation e é reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique para ver a versão original em espanhol.