12/04/2024
Confira na reportagem da BBC Brasil…
Muitos membros do grupo não se conheciam e já se tornaram amigos
Um grupo de mais de 25 pessoas, composto em sua maioria por idosos, quer recomeçar a vida em uma área verde no interior de São Paulo.
Um de seus principais objetivos é viver em comunidade para fugir da solidão, um dos problemas que muitas pessoas enfrentam com o avançar da idade.
“Cada vez mais que você vai envelhecendo, a tendência acaba sendo ficar mais isolado”, diz um dos responsáveis pela criação do projeto, o economista Norival de Oliveira, de 60 anos, à BBC News Brasil.
“Esse tipo de comunidade tem justamente o objetivo de trazer mais convivência social e não permitir que os idosos sejam deixados de lado.”
Junto com o companheiro, o arquiteto Ricardo Pessoa, de 62 anos, Norival queria alguma forma de fazer com que o envelhecimento fosse menos solitário.
Os dois buscaram alguns conceitos já adotados em outros países e se encantaram por aquilo que é conhecido como cohousing.
É um estilo de vida em comunidade na qual as pessoas têm suas próprias casas, mas compartilham vários espaços coletivos.
O conceito surgiu na década de 1970 na Dinamarca e passou a ser adotado em outras partes do mundo.
Essas comunidades costumam ser formadas por grupos que têm algum tipo de afinidade, como, por exemplo, pessoas que têm em comum o desejo de viverem juntas na velhice.
Ricardo e Norival, que estão juntos há 13 anos, deram início ao projeto que atraiu outras pessoas
Em 2019, Norival e Ricardo falaram com amigos sobre a criação de uma comunidade com outras pessoas na mesma faixa etária.
“Preparamos um material sobre o tema e chamamos 13 amigos mais próximos para tentar colocar a ideia em prática”, diz Norival.
No entanto, grande parte não seguiu no projeto, por questões financeiras ou outros motivos pessoais. Só outros três, além de Norival e Ricardo, continuaram a apostar na ideia.
O casal decidiu buscar mais gente que se encaixasse no perfil que eles traçaram para a cohousing, como ter mais de 50 anos e querer viver em comunidade.
“Abrimos para o público em geral porque a gente percebeu que, no fundo, não dava para ser só com os amigos que eu já conhecia”, explica Norival.
“Na verdade, a gente precisa encontrar pessoas que têm afinidade com esse modo de vida.”
Assim, a comunidade batizada de Bem Viver ganhou novos moradores, que haviam descoberto o projeto por meio de comentários de conhecidos ou pela internet.
As redes sociais ajudaram a divulgar a iniciativa e atrair mais pessoas interessadas, principalmente no auge da pandemia de covid-19.
No perfil da Bem Viver no Instagram, Norival começou a postar sobre o projeto. Isso atraiu muitos curiosos e também quem estava realmente interessado na proposta.
Cada candidato passou por um período de teste em interação com os demais moradores para conhecer melhor o projeto.
O candidato só poderia decidir se viveria na comunidade caso fosse aprovado pelos demais.
Para integrar o projeto, há uma parte fundamental: ter recursos financeiros para ajudar a bancar a ideia.
Cada morador arca de partida com uma cota única, que corresponde ao pagamento pela sua parte do terreno, e, depois, pagará a construção da casa.
Grupo se reuniu para viver em comunidade e fugir da solidão
“Alguns já tinham esse dinheiro guardado e pretendiam usar de alguma forma nessa fase de terceira idade, mas também teve gente vendendo casa na praia ou apartamento para participar”, explica Norival.
Os idealizadores do projeto calculam que o custo de construção de cada casa pode ultrapassar os R$ 500 mil, além do preço do terreno — um valor que pode tornar a ideia inviável para muitos brasileiros aposentados.
Por outro lado, quem consegue fazer isso considera que é um investimento para ter uma velhice saudável, diz Norival.
Terreno em Mogi das Cruzes (SP) foi escolhido para abrigar cohousing
O grupo buscou por terrenos em cidades do interior do Estado de São Paulo. Eles queriam estar em uma área verde, mas também proximos de infraestrutura com comércio, lazer e hospitais.
Havia alguns critérios, como não ser muito longe da capital e ser um local com muito contato com a natureza.
No fim de 2022, eles encontraram o lugar que consideraram ideal: uma área verde, com cerca de 63,5 mil m², ainda no perímetro urbano de Mogi das Cruzes.
Com o terreno comprado, começaram a buscar um profissional para cuidar do projeto arquitetônico.
Foi nesse período que o grupo conheceu o arquiteto Roberto Kubota, de 62 anos.
Os moradores da Bem Viver o procuraram porque Kubota compartilhava nas redes sociais algumas informações sobre cohousing, ainda que não tivesse trabalhado em nenhuma iniciativa assim até então.
“Eu tinha tentado morar em uma cohousing antes da pandemia, que seria em uma praia. Mas veio a pandemia e o projeto não avançou”, conta Kubota.
Projeto mostra como devem ser as casas de cohousing no interior de SP
Quando soube da Bem Viver, ele diz que se encantou e, além de ser escolhido para trabalhar como arquiteto, comprou uma das cotas para morar na comunidade.
“Foram dois desejos de anos atendidos ao mesmo tempo: trabalhar na construção dessa forma de moradia e morar perto da natureza e em comunidade”, diz o arquiteto.
Ele conta que, desde que era jovem, tinha vontade de viver em comunidade.
“Quando me formei, fiz um mochilão e fui parar em um kibutz [comuna agrícola israelense] e vi que morar em comunidade era um negócio que poderia dar certo”, afirma.
Ao longo das décadas, ele deixou esse desejo de lado, mas admite que sempre pensou na possibilidade.
“Cheguei a comprar um terreno para compartilhar no fim de semana com amigos, mas não deu certo porque meus amigos estavam em outro momento da vida”, comenta.
Sem filhos e divorciado, Roberto se preocupava com a solidão ao envelhecer.
“A gente vê que a população está envelhecendo, e existe esse medo. A vida em comunidade pode ser benéfica para a saúde e até para ganhar alguns anos de vida”, diz.
“Quem participa dessas iniciativas está realmente aberto a viver em comunidade. Talvez seja até mesmo uma herança hippie da geração anos 1970.”
A vista aérea de como deve ficar o projeto: casas não podem ser muito distantes umas das outras
Para ler o complemento desta reportagem, acione o link abaixo e vá para o site da BBC Brasil.