06/02/2024
Reproduzimos, a seguir, reportagem extraída da BBC Brasil.
Publicada em 10 junho 2023 / atualizado 31 janeiro 2024
No link abaixo você encontra o áudio da reportagem, na página da BBC Brasil.
“É um pouco assustador ver esses resultados depois de apenas duas semanas.”
Aimee, de 24 anos, passou duas semanas seguindo uma dieta de alimentos ultraprocessados como parte de um estudo realizado por cientistas do King’s College, de Londres, para o programa Panorama da BBC.
Nancy, sua irmã gêmea, seguia uma dieta que continha exatamente a mesma quantidade de calorias, nutrientes, gordura, açúcar e fibras. Mas no caso dela comendo apenas alimentos frescos ou pouco processados.
Aimee, que apresentou níveis piores de açúcar no sangue e aumento dos níveis de gordura, engordou quase um quilo. Enquanto isso, sua irmã Nancy perdeu a mesma quantidade de peso.
Esse foi um estudo curto com apenas um par de gêmeas, mas os resultados reforçam temores de cientistas que têm acumulado evidências de que os alimentos ultraprocessados são prejudiciais à saúde de maneiras inesperadas.
“Estamos falando de todos os tipos de câncer, doenças cardíacas, derrame e demência”, diz Tim Spector, professor de epidemiologia no King’s College e pesquisador do comportamento das doenças, supervisionou o estudo.
Os emulsificantes melhoram a aparência e a textura dos alimentos e ajudam a prolongar sua vida útil
O termo “alimentos ultraprocessados” começou a ser usado há apenas 15 anos. Esse tipo de alimento representa aproximadamente metade do que se come em países como o Reino Unido.
No Brasil, um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que cerca de 20% das calorias consumidas pelos brasileiros vêm de ultraprocessados.
De pães integrais fatiados a pratos prontos e sorvetes, esse é um grupo de alimentos feitos com níveis variados – mas muitas vezes altos – de processamento industrial.
Ingredientes utilizados para o seu preparo como conservantes, adoçantes artificiais e emulsificantes não costumam ser utilizados na culinária caseira.
“Alimentos ultraprocessados são alguns dos mais lucrativos que as empresas podem obter”, diz a professora Marion Nestle, especialista em política alimentar e professor de nutrição na Universidade de Nova York.
À medida que nosso consumo aumenta, também aumentam as taxas de diabetes e câncer.
Alguns acadêmicos acreditam que a relação não é acidental.
O programa Panorama acessou novas evidências científicas que mostram a relação entre esses tipos de produtos químicos e doenças como câncer, diabetes e derrame.
A revista científica The Lancet publicou em janeiro um dos estudos mais abrangentes sobre o tema, feito pela Faculdade de Saúde Pública do Imperial College, em Londres.
O estudo, realizado com 200 mil adultos no Reino Unido, determinou que o maior consumo de alimentos ultraprocessados pode estar relacionado ao aumento do risco de desenvolver câncer em geral e, especificamente, câncer de ovário e cérebro.
Os alimentos ultraprocessados mais usados:
– Pães e cereais açucarados embalados;
– Sopas instantâneas e refeições prontas para microondas;
– iogurtes com sabor de fruta;
– Carne reconstituída, como presunto e linguiça;
– Sorvete, batatas fritas e biscoitos;
– Refrigerantes e algumas bebidas alcoólicas, como uísque, gim e rum.
O termo ‘alimentos ultraprocessados’ começou a ser usado há apenas 15 anos
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou no mês passado evitar o consumo prolongado de adoçantes artificiais, devido aos possíveis riscos à saúde.
Provar que certos ingredientes causam doenças pode ser difícil porque há uma série de fatores em nosso estilo de vida que podem gerar problemas de saúde. Por exemplo, falta de exercício, tabagismo ou dietas açucaradas.
As primeiras pesquisas sobre consumo de alimentos ultraprocessados e mortalidade começaram na França, na Universidade de Sorbonne, como parte de um estudo, ainda em andamento, sobre os hábitos alimentares de 174 mil pessoas.
“Temos registros dietéticos de 24 horas durante as quais os participantes nos contam todos os alimentos e bebidas que ingerem”, explica a médica Mathilde Touvier, que lidera a pesquisa.
O estudo já publicou algumas conclusões, que mostram que os ultraprocessados podem aumentar as chances de desenvolvimento de câncer.
Ultimamente, os pesquisadores têm estudado o impacto, na alimentação, de um ingrediente específico, os emulsificantes.
Os emulsificantes são compostos químicos que melhoram a aparência e a textura dos alimentos e contribuem para prolongar sua vida útil – que acaba sendo bem maior que a dos alimentos não ou menos processados.
Esse elemento está em toda parte: na maionese, no chocolate, na pasta de amendoim e nas carnes. Ou seja, é bem provável que você esteja consumindo ou consumiu emulsificantes em algum momento.
O Panorama teve acesso exclusivo aos primeiros resultados da pesquisa de Touvier, que ainda não foram analisados por outros especialistas, etapa crucial para a verificação de estudos científicos.
“Temos observado uma relação clara entre a ingestão de emulsificante e um risco acrescido de câncer em geral, e de câncer da mama em particular, mas também de doenças cardiovasculares”, diz a pesquisadora.
“Isso significa que vimos um padrão entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de doenças. Mas mais pesquisas são necessárias.”
Os alimentos ultraprocessados representam boa parte do que comemos
Um dos aditivos mais polêmicos de alimentos ultraprocessados é o adoçante aspartame.
Duzentas vezes mais doce que o açúcar, tem sido anunciado como uma ótima alternativa de baixa caloria, transformando bebidas açucaradas, sorvetes e mousses anteriormente não saudáveis em produtos comercializados como “saudáveis”.
Durante as últimas duas décadas, surgiram dúvidas sobre seus possíveis efeitos nocivos.
No mês passado, a OMS afirmou que, embora as evidências sejam inconclusivas, teme que o uso prolongado de adoçantes como o aspartame possa aumentar o risco de “diabetes tipo 2, doenças cardíacas e mortalidade”.
Em 2013, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) decidiu que o aspartame era seguro, assim como o Comitê de Toxicidade na Grã-Bretanha, que determinou em 2013 que os resultados “não indicam a necessidade de tomar medidas para proteger a saúde pública”.
No entanto, seis anos depois, Erik Millstone, professor da Universidade de Sussex, decidiu revisar as mesmas evidências examinadas pela EFSA, para ver quem havia financiado os diferentes estudos.
Millstone descobriu que 90% dos estudos que defendem o adoçante foram financiados por grandes empresas de química que fabricam e vendem aspartame, e que todos os estudos sugerindo que o aspartame pode ser prejudicial foram financiados por fontes independentes e não comerciais.
A EFSA garante que vai estudar a avaliação em curso da OMS sobre este aditivo.