Reproduzimos, a seguir, reportagem gerada pela Agência Brasil.
Em junho deste ano, o Exército dos Estados Unidos (EUA) revelou que executivos de gigantes da tecnologia como Meta, OpenIA e Palantir foram nomeados tenentes-coronéis do Destacamento 201, recém-criado para abrigar líderes da tecnologia.
“A posse deles é apenas o começo de uma missão maior para inspirar mais profissionais de tecnologia a servir sem abandonar suas carreiras, mostrando à próxima geração como fazer a diferença no uniforme”, informou o Exército norte-americano.
Em livro publicado neste mês, o sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu da Silveira denuncia o uso da Inteligência Artificial (IA) pelas Forças Armadas dos EUA em parceria com as big techs como Google, Amazon e Microsoft.
Com o título As big techs e a guerra total: o complexo militar-industrial-dataficado, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) explica como a IA é usada para matar pessoas na Faixa de Gaza e defende o desenvolvimento nacional de infraestrutura digital que acabe com a dependência do Brasil das gigantes dos EUA.
“As big techs são máquinas geopolíticas. Não vamos ter ilusão. A tecnologia não é só um meio para se atingir uma finalidade. A tecnologia é um dos principais instrumentos do poder político, econômico e militar global. O próprio Trump diz que as big techs são a linha de frente do poder americano”, explicou à Agência Brasil.
Após os donos das big techs ficarem em lugar de destaque na posse de Donald Trump, os chefes da Meta (dona do Facebook, Instagram e Whatsapp), Apple, Microsoft e OpenIA jantaram, no início de setembro, com o presidente dos EUA na Casa Branca.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor explica a necessidade de o Brasil investir em infraestrutura própria e os riscos que se corre quando o governo contrata empresas estrangeiras e seus serviços em órgãos públicos, deixando os bancos de dados vulneráveis.
No último dia 7 de setembro, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos – em parceria com o Serpro e a Dataprev – lançou a Nuvem Soberana para processar e guardar dados públicos em uma infraestrutura física sob gestão do Estado, ainda que com tecnologia de empresas internacionais.
Para Amadeu, o lançamento é um avanço em um país como o Brasil, mas ainda não é suficiente diante das políticas expansionistas de Trump.
Para conferir os principais trechos da entrevista, acione o link disponibilizado logo após as três primeiras questões, abaixo reproduzidas.

Sociólogo e professor da UFABC Sérgio Amadeu da Silveira / Foto: TV PUC/Reprodução
Agência Brasil: Como as big techs estão envolvidas com o negócio da guerra?
Amadeu: As big techs nasceram de atividades nas redes sociais e como mecanismos de busca, mas foram se tornando verdadeiros oligopólios, engolindo outras empresas e entrando também nos negócios da guerra.
Apesar de afirmarem que são empresas neutras, elas foram articuladas por aquilo que se chama o complexo militar-industrial dos EUA.
No livro, mostro a introdução da IA e das big techs na guerra e a gravidade de você ter empresas usando nossos dados e as interações de milhões de pessoas no planeta para finalidades militares.
Agência Brasil: O que é esse complexo militar-industrial-dataficado?
Amadeu: O termo complexo militar-industrial, popularizado pelo presidente dos EUA Dwight Eisenhower (1953-1961), explica a fusão das empresas com o Pentágono. Um dos exemplos é a Lockheed, empresa que fabrica aviões e armas. Mas a Lockheed não participa das atividades de estratégia, de tática, de ações militares.
Agora, é diferente. Como a inteligência artificial é desenvolvida em quantidades absurdas de coleta e tratamento de dados, que precisa de uma estrutura de data centers gigantesca e trabalhadores especializados, as Forças Armadas americanas trouxeram as big techs para o coração da estratégia e das ações táticas da guerra.
As big techs integram o complexo de guerra americano, não como a Lockheed, mera fornecedora de produtos, mas elas estão dentro desse complexo dada a natureza da atividade.
Hoje, os EUA têm contratos bilionários com as big techs. Tem o projeto Maven, da Google, alvo de protesto de funcionários da companhia, que depois incluiu a Amazon e a Palantir.
A notícia que alguns diretores dessas big techs ganharam postos de militares de alta patente confirma essa hipótese de que o complexo militar foi dataficado [o termo “data” se refere ao processo de armazenamento e tratamento de dados realizado pelas big techs].
Agência Brasil: A capa do livro são as ruínas de Gaza. Qual a relação das big techs com esse conflito?
Amadeu: O primeiro grande laboratório do uso de IA para fixação de alvos militares foi a Faixa de Gaza. A IA já vinha sendo usada, mas não para mapear a população civil e encontrar alvos que deveriam ser eliminados fora de áreas de combate. Isso foi feito de maneira intensa na Faixa de Gaza uma vez que essas big techs atuam para o Estado de Israel.